25 de dez. de 2013

Conto de Natal - Três Cantos - Parte 13 Final

Parte 13 – Sempre Sonhos!

Por pouco Joshua não se tornou um bom e fiel católico.
 

Desde aquela missa em que reviu a sua  Sereia Negra, ele passou a ir todos os domingos à Igreja Sagrada Família, às vezes mesmo sem a companhia dos pais. Mas, por algum acaso, não tornou a encontrar Miriam. Talvez ela não frequentasse tanto assim a igreja quanto ele pensou ou, se frequentava, deveria ser em qualquer outro horário que não aquele das 10 horas da manhã.

Todos esses fatos contrários aos desejos de Joshua só o fizeram mais frustrado e raivoso quanto à sua condição de aluno em recuperação. E foi essa raiva que o fez vencer a dependência com as notas máximas, conquistando em definitivo a sua liberdade que antes era apenas condicional.

De qualquer forma, essa liberdade parecia ter perdido importância, visto que não conseguia mais reencontrar Miriam, depois que, finalmente, achou o presente perfeito para ela. Quase “montou acampamento” no final do Praião e na Praça As Primaveras, esperando rever a garota... mas sem êxito.

Era segunda-feira, véspera de Natal. Enquanto a irmã, a mãe e o pai se divertiam em organizar a ceia, Joshua permanecia introspectivo, distante, sentado sobre o muro baixo do quintal, olhando o nada na rua deserta de calçamento em paralelepípedos. O dia estava bonito, com nuvens plumosas no céu muito azul e o festivo Sol de Verão. De onde estava, ouvia as ondas estourando no Praião e os passarinhos fazendo algazarras na amendoeira da casa.

Madalena chegou sorrateira e, vendo o irmão tão distraído, pensou em dar-lhe um susto, mas desistiu no último instante. Estendeu a taça com a salada de frutas que ajudou preparar.

— Nossa, que coisa! Esse tiro do cupido foi à queima-roupa mesmo, heim! Nunca vi nem o Tiago dessa forma, e olha que ele é todo sentimental!

— Pois é... – Joshua concordou, catando primeiro as frutas preferidas dentro da salada. — Nem eu tô me reconhecendo! Já tô me achando um pateta ridículo com isso!

— Não é pra tanto... o que mais pretende fazer?

— Do jeito que tô me sentindo? Vou é desistir dessa parada! Mas vou entregar o presente dela de qualquer jeito, mesmo que ela nunca o receba!

— Hum? Como assim? – Madalena parou a colher cheia de pedacinhos de fruta a meio caminho da boca, olhando espantada para o irmão.

O garoto devolveu um olhar decidido, quase frio, à irmã.

— Vou deixar o  hashi com um cartão endereçado à Miriam, lá na árvore da praça. Quem sabe alguém que a conheça encontre e estregue pra ela?

~*~*~*~

Dias bons e leves, de atmosfera alegre, tendem a passar muito rápido. E foi dessa forma que passou a segunda-feira, 24 de dezembro. Já eram mais de oito da noite quando Joshua saiu do banho. Depois de pronto e arrumado, pegou o presente de Miriam, juntamente com o cartão que afixaria na Árvore de Natal da praça. Ao menos, ele cumpriria a sua promessa.

Saiu às pressas de casa, sob perguntas e protestos  de Maria e José, que ele respondeu evasivamente, dizendo que não demoraria na rua. Madalena sorriu cumplice, mas manteve o segredo que o irmão confiou apenas a ela.

Chegou em cinco minutos à praça, montado em sua bicicleta de alumínio. Estranhou as ruas tão vazias e a praça tão deserta – nem os dois pipoqueiros estavam fazendo ponto na beira da calçada.

Não se ligou nisso por muito tempo. Como um refugiado de cidade grande, Joshua tinha seus receios de lugares vazios, especialmente à noite, mas ignorou o alerta padrão do seu instinto de sobrevivência. Deixou a bicicleta encostada em um banco e caminhou até a Árvore de Natal, parando adiante com reverência.

Por mais estranho que fosse, aquilo lhe era importante, pois foi um momento marcante em sua jovem existência. Olhou a árvore de baixo à cima. As luzinhas piscavam em cadências variadas, como se bailassem em volta do pinheiro feito de palmeira. Os olhos do adolescente chegaram à estrela no topo, que brilhava de forma tão intensa que parecia faiscar! Então Joshua percebeu, acima da árvore e da estrela, a forma de foice luminosa da Lua Crescente. Por algum motivo que ele desconhece, aquela visão o levou a um quase transe.

— Joshua...?

O corpo de Joshua estremeceu ao ouvir o seu nome ser chamado de forma vacilante. Desceu lentamente o olhar para a direção da voz fina que o chamara mais uma vez, agora com uma entonação preocupada. Mas, devido à pouca luminosidade da praça e por suas retinas estarem feridas pelas luzes, fazendo ver apenas pontos luminosos coloridos piscando diante dele, custou a perceber quem se encontrava à sua frente.

— Você está bem?

Após piscar em profusão, o embotamento de sua mente se dissipou, e Joshua quase pensou que delirava! Miriam, com um vestidinho branco bordado sob um casaquinho azul celeste, estava diante dele, com os cachinhos soltos e iluminados pelas lampadinhas coloridas. Ela era mesmo uma Aparição!

— Miriam! Eu... poxa! Me perdoa! Eu nunca quis te dar um bolo! Não foi a minha intensão ter cortado o contato contigo dessa forma!

A menina negou com um meneio, sorrindo complacente, tendo não apenas os olhos e o sorriso luminosos, mas ela inteira.

— Você não me deve nada, Joshua! Eu também não ajudei em nada, desaparecendo um pouco daqui de Barra! Eu moro do outro lado da ponte, em Aquarius. E como lá é tumultuado se comparado com aqui, você não conseguiria me encontrar se pensasse em me procurar por lá. Joshua sorriu, sentindo um peso invisível sair de seus ombros. — Então, você... não está com raiva de mim? Não pensou que eu tivesse feito de propósito?

Suspirando profundamente, Miriam desviou o rosto para o outro lado da praça, onde ela avistava o Presépio e o coreto decorado.

— Bem... sim. No início eu pensei que você só tivesse tirado uma com minha cara! Mas, aí quando a raiva esfriou, pensei direito e... cheguei a conclusão que você não podia ter falhado em nada, se não se comprometeu com nada.

— Mas eu me comprometi, sim! Eu insisti para nos vermos novamente e até te prometi...

Joshua lembrou-se do porquê de estar ali, naquela praça, àquela hora e em plena véspera de Natal. Olhou para o pequeno embrulho em suas mãos, com um cartão natalino colado.

Não fora um golpe de vista.  Fora mesmo uma Estrela Cadente! E o seu pedido não foi apenas atendido, como também veio bonificado. Miriam o desculpou, sem que ele tivesse a oportunidade de se justificar e se desculpar!

Desembrulhou o hashi, enfiando o papel de presente e o cartão no bolso traseiro do seu jeans. Com ambas as mãos, estendeu o prendedor à garota, como se oferecesse a ela uma coroa cravejada de pedras preciosas. Mas, para ele, aquele simples porém bonito objeto valia mais que qualquer joia cara!

Com a mesma solenidade que Joshua estendia o palito de cabelos, Miriam o pegou. Manuseou como fosse cristal delicado.

— É... lindo!

— É... perfeito para você!

Pelos instantes em que ficaram se admirando, Miriam se lembrou, por sua vez, o que ela veio fazer na Praça As Primaveras.

Retirou do bolso do casaquinho um embrulho, com um cartãozinho e um laço preso ao papel decorado. Era  o presente que confeccionou para Joshua e deixaria entregue na Árvore de Natal. Faria um pedido para que, de alguma forma, o pacotinho chegasse até ele.

Lembrou-se, então, do pedido que fez quando a sétima onda estourou na praia, antes de ela entrar no mar  para procurar por uma concha que se encaixasse na pulseira que trançaria. O seu pedido foi atendido e com bônus!

— Eu fiz isso para você...

Envolveu o pulso de Joshua com a pulseira feita em palha fina, adornada com sementes vermelhas e conchinhas escuras. Ficou um bonito contraste com a pele do garoto, que agora era negra e não mais pálida por falta do Sol.

Fosse pela emoção do momento, fosse porque realmente existe a Magia do Natal, pontos luminosos começaram a vagar e envolver Miriam e Joshua numa miríade de luzes coloridas. A estrela artesanal refulgiu, tendo a foice lunar acima a envolver com sua própria luz. Etéreo e distante, como se viesse do interior da restinga e se mesclasse às águas do São João, uma música que lembrava harpa e oboé enchia o silêncio da noite, envolto do farfalhar da brisa nas folhas das árvores e arbustos. E neste cenário onírico, duas almas se reconheceram e se consolidaram.

FIM

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